Uma pontual exigência dos pais hoje é a de que seus filhos tenham sucesso e sejam felizes a qualquer preço. Com isso, não há interdições, negações e adiamentos. Resultado: uma educação onde só há permissões e a idéia ingênua de que, assim, não haverá tristezas e frustrações para os filhos.
Como psicóloga e educadora, a todo instante percebo esta atitude por parte de pais que têm, é claro, grande dificuldade quando seus filhos enfrentam problemas e frustrações aqui mesmo na escola. Eles se perguntam, aflitos, o que vai ser do filho se ele começa a ir mal nos testes. Ou se não é muito bem sucedido nos esportes. Ou se tem poucos amigos para brincar. A impressão é a de que nesta geração só há um objetivo na vida: eliminar o desprazer.
O que acontece, então, com estes pais? Perdem a espontaneidade. A espontaneidade de dizer sim ou de dizer não, de dar ou de limitar, de elogiar ou de perder a paciência. Tornam-se ansiosos e atormentados e constantemente questionam a criança sobre a sua performance no dia-a-dia.
Quais as conseqüências disso? O que eu vejo são crianças que agridem desnecessariamente os colegas e o professor diante de qualquer negativa, ou que não entram em jogos e disputas porque não se arriscam a perder. Ou ainda crianças com dificuldades de aprendizagem porque é muito grande a expectativa de que elas acertem. E finalmente, crianças com medo exagerado diante de situações novas como dormir fora de casa, brincar na casa dos outros, sempre porque a necessidade de ser perfeito é muito marcada.
Isso aparece bastante também na adolescência, na chamada geração 20 anos. Qualquer restrição, crítica, negação, ou mesmo dificuldade profissional ou econômica são extremamente mal enfrentadas. O jovem se revolta, briga com a autoridade e não se adapta. Vive, muitas vezes, dando tiros a esmo, gastando energia, sem atingir objetivo nenhum. Porque nenhum objetivo na vida da gente pode alcançar sem se arriscar as frustrações e dificuldades.
Não quero insinuar que as crianças hoje devam aceitar tudo de forma fatalista e passiva, sem lutar, sem reclamar. Pelo contrário, a expressão dos sentimentos é extremamente importante. Uma atitude, aliás, que deve ser estimulada já pêlos professores da pré-escola quando as crianças choram ao se machucarem, quando brigam por um brinquedo ou enfrentam qualquer outra dificuldade. Em nossas reuniões semanais de orientação educacional, os alunos da 1a à 8a série têm oportunidade de se manifestarem, expondo críticas e, desagrados de todo tipo.
Creio que estas reuniões são importantíssimas para formar uma nova geração com maneiras diferentes de se expressar. As atividades, propostas às vezes em forma de psicodrama, não se revelam extremamente ricas para que o aluno tome consciência de si mesmo e do outro. O outro, neste caso, é o pai, a mãe, o professor, o colega, o amigo da rua. Assim, ele pode distinguir melhor seus desejos das expectativas do outro à sua volta.
Outro dia, numa reunião com alunos da 3a série, discutimos a ansiedade diante das situações novas a enfrentar. A questão justamente era: como você se sente diante de uma situação diferente, de um novo grupo? As respostas foram:
- a gente tem medo
- a gente primeiro olha muito pra ver como é
- a gente quer ficar perto da mãe
- a gente até quer entrar na barriga da mãe…
Respostas que vêm reforçar a minha idéia de que muitos pais hoje exigem crianças felizes e vencedoras, crianças que tiram de letra todas as dificuldades. E os próprios alunos terminam repetindo estas expectativas dos pais. Em outra reunião, perguntamos o que era preciso para alguém fazer parte do grupo. Um menino respondeu: “Precisa ser machão, ter skate, andar bem de bicicleta, falar a verdade, ser leal”… Não podia, enfim, ter defeitos. E outras respostas apenas confirmavam esta.
Nestas reuniões, os alunos freqüentemente verbalizam sua incapacidade de aceitar pequenas ou grandes dificuldades do dia-a-dia.
A escola tem só uma quadra de esportes e eles, por exemplo, expressam duramente sua raiva pela impossibilidade de jogar futebol em todos os recreios. Ou então pela impossibilidade de sair sempre a passeio porque às vezes está chovendo.
E também expressam uma aguda revolta por tudo aquilo que os pais poderiam dar para eles e não estão dando. E aqui se coloca outra pergunta que os pais se fazem diariamente dentro de casa: o que comprar e o que não comprar para filhos que simplesmente querem tudo o que vêem na televisão ou na casa do vizinho?
Minha experiência como educadora me diz que nada é mais enganador do que achar que se pode fabricar êxito na marra, e ter sempre dentro de casa crianças plenamente satisfeitas e felizes. No meu entender, uma criança forte, segura, com boa dose de identidade, necessita de iniciativas permitidas, mas também de censuras e proibições. Necessita lidar com perdas, erros, derrotas, mágoas e tristeza, assim como com vitórias, alegrias e recompensas.
Pais que tentam forçar bons resultados, evitando artificialmente o sofrimento aos filhos, terão mais tarde jovens e adultos com um mundo interno extremamente empobrecido. E, ao contrário, de crianças estimuladas a aceitar seus limites, a escolher mesmo com o risco de errar, surgirão adultos capazes de lidar com o mundo de uma forma humanamente feliz e vitoriosa.
(Hilda Maria França Vianna é psicóloga e orientadora educacional)