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O pai

Entrevista da Psicanalista – Halina Grynberg à Graciela Karman da revista Psicologia Atual.

De tanto glorificar a figura da mãe, nossa cultura foi relegando a um perigoso segundo plano alguém muito importante para uma saudável estruturação da personalidade do filho.

GK – Antigamente, quando se tratava do desenvolvimento da criança, dava-se muita ênfase às relações mãe-filho. Hoje, fala-se bastante do papel do pai, o que mudou nesse aspecto?
HG – Realmente, nos estudos mais recentes da personalidade humana nota-se uma reavaliação na figura paterna. O trabalho Jaques Lacan, por exemplo, que representou uma verdadeira revolução dentro da psicanálise, apresenta vários textos em torno da função paterna na estruturação da personalidade. Até a algum tempo, a psicologia do desenvolvimento era quase omissa, em relação ao pai, enquanto uma importância marcada às relações mãe-criança, modelo inicial sobre qual se apoiaria todo desenvolvimento posterior. O que não deixa de ser válido, só que as teorias mais recentes admitem a inclusão e a necessidade desta inclusão desde o principio, deste terceiro elemento que é representado e atuado pelo pai.

GK – Então não é correta a idéia de que o pai só tem condições de ligar-se verdadeiramente à criança quando ela já está numa fase posterior de desenvolvimento, lá pelos dois ou três anos de idade?
HG – Não. A criança não se liga, ou precisa do pai só no momento em que já tem percepção dos sentidos desenvolvidos, como muita gente ainda acredita. Essa relação é necessária desde o nascimento. Para que fique mais claro, vou tentar explicar isso a partir da questão da estruturação da identidade do individuo. Quando a criança nasce, não tem identidade física ou psíquica definida, é um continuum materno, um prolongamento da mãe, um ser que mal sente, mal vê, mal fala. Pouco a pouco, os sentidos vão se desenvolvendo e criando definições e percepções mais organizadas. Mas isso implica que a identidade esteja se formando adequadamente: a criança ainda é continuação da mãe. Tem um cordão umbilical não físico, mas afetivo; é intensamente dependente, inseparável da mãe. Aí então se faz necessário a função paterna, que provoca um corte nesse cordão umbilical psíquico; uma ruptura simbólica entre a mãe e o filho. A partir do nascimento, ao deixar a vida intra-uterina, começa a delinear-se um tempo existencial. A mãe demora para trocar a fralda, para dar-lhe o peito, para acudi-la quando chora. A satisfação de suas necessidades não automática, como útero: passa a existir um tempo. Uma distância. Nessas brechas, nessa falta da mãe, a criança está só diante do mundo externo e do mundo vem a figura do pai. E através dele, no espaço onde ele se insere, introduz-se o primeiro esboço de um tempo, de uma cronologia, de uma ordem que o pai propicia a introdução de uma organização, de uma discriminação, que é a nova ordem social, a ordem do mundo. O pai é aquele que promove o rompimento da simbiose com a mãe, o vinculo onde não há duas pessoas, mas apenas uma indiferenciação. O pai torna viável a possibilidade de um tempo e um espaço entre a mãe e o filho, e assim lhe confere a possibilidade de tornar-se sujeito, com uma identidade, no mundo real.

GK – Na prática, como deveria atuar o pai para exercer mais eficientemente a introdução desse terceiro elemento?
HG – Esse terceiro elemento existirá sempre. Uma criança sem o pai pode crescer sem problemas se a mãe permitir que entre ela e o filho se estabeleça uma distinção, que entre eles se coloquem outros elementos. Suponhamos que o pai tenha morrido quando a mãe estava grávida; não é porque o pai falta na realidade objetiva externa que não vai haver esta função paterna. Tudo o que leva a criança a se diferenciar da mãe, a ter emoções e experiências que reconhece como suas, tudo isso é fruto dessa presença que chamamos ‘figura paterna’. Que pode ser um tio, um professor, qualquer homem, ou a própria mãe que contém em si, e demonstra desejo de dar liberdade à criança, vontade de que o filho seja diferente dela e até que tenha necessidades que ela, a mãe, não possa entender.

GK – Isso significa que a família não precisa contar necessariamente com um pai e uma mãe, e sim com quem exerça satisfatoriamente essas funções?
HG – Exato. A criança pode ser criada por uma tia e um avô, ou pode haver uma dúzia de pessoas na função de mãe e mais uma dúzia na função de pai. Nos Kibutzm, fazendas coletivas de Israel, as crianças praticamente não vivem com o pai e a mãe. Elas convivem com a comunidade, que trata de exercer esses dois papéis.

GK – Os papéis do pai e da mãe não ficam muito limitados na medida em que tem se adequar cada um a sua função determinada?
HG – Delimitar os papéis é importante, de fato. Isso não quer dizer em absoluto, que a mãe tenha que ficar em casa cuidando do filho e o pai na rua, providenciando o sustento da família. Mas existe uma diferença fundamental entre ambos. Basta comparar o vínculo materno direto, biológico com os sentimentos que a criança estabelece em relação ao pai. Que é, pelo contrário, alguém que interrompe esse vinculo biológico, transformando a ligação imediata que a criança tem com a mãe.

GK – A qualidade do vinculo paterno depende então da atuação do pai, enquanto a ligação com a mãe se estabelece naturalmente?
HG – A qualidade afetivo materno também depende dela. Existe um vínculo de base biológico. Mas se ela for afetuosa, se permitir que o filho se desenvolva, o sabor da ligação será diferente daquela em que a mãe não dá à criança, por exemplo, a necessária liberdade de ser e existir independente dela.

GK – Na prática, o que diferencia o papel do pai na família atual e na família tradicional?
HG – O papel em si não é basicamente diferente. Apenas lhe atribuída importância muito amor no desenvolvimento da criança e se sabe que é mais precoce a necessidade dele, já que se instala desde o primeiro momento na vida da criança.

GK – Mas tendo consciência de sua importância, como é que o pai pode tornar rica sua ligação com a criança?
HG – Num nível concreto, é claro que há grande diferença entre um pai afetuoso, participante, e um pai que se omite, que deixa tudo por conta da mãe. O pai que fica longe, do lado de fora, contribuirá para criar filhos muito dependentes da mãe, com muita dificuldade para enfrentar futuramente uma autoridade, para viver uma vida autônoma para se confrontar com o poder. Quanto mais houver oportunidade de se estabelecer entre os pais e os filhos um grande afeto, menos pesará essa falta inevitável que todo o ser humano carrega dentro de si e tanto menor será a dor da perda desta relação primeira e total que é a relação mãe-filho.

GK – Você falou dor inevitável?
HG – Sim, essa falta, a dor dessa ruptura, pode ocorrer mais harmoniosamente, se houver bons vínculos entre a criança e os pais. Mas sempre existirá a angustia inevitável. O ser humano convive inevitavelmente com a divisão de si mesmo, com uma ruptura que carrega consigo, o faz humano.

GK – Esse contato precoce entre o pai e a criança, não podendo ser verbal, teria que ser físico?
HG – Ele não precisa ser verbal, necessariamente, já que o contato físico é sempre importante para a criança. É fundamental que a criança perceba a diferença entre o pai e a mãe – o cheiro, a textura, a forma de aproximação – porque a partir de constatações como essas é que ela se organiza. Por isso, não faz mal que o pai seja desajeitado ao trocar a fralda, ou que mais atrapalhe do que ajude quando “colabora” na hora do banho.

GK – Ou seja, a mãe deveria estimular o pai a participar diretamente dos cuidados da criança?
HG – É claro. O fato é que muitas vezes a mãe não permite a participação do pai. Ela pode alegar que está com pressa, que não adianta a ajuda do pai, – e isso talvez até seja verdade – mas o efeito desse ‘fechamento’ é não permitir. A ruptura da conseqüente transformação de seu vinculo com a criança, consciente ou inconsciente, ela protege sua ligação com o filho, não permitindo uma intromissão, que é absolutamente necessária.

GK – Há outras maneiras de evitar o fechamento, o exclusivismo da ligação mãe e filho?
HG – Por exemplo, quando o pai volta a solicitar a mãe como mulher, depois do nascimento da criança, convém que ela aja como mulher, que se sinta esposa independente da maternidade. A relação marido e mulher exclui a criança e a exclusão é benéfica para ela, na medida em que lhe permite existir sozinha, desligada da mãe, criando um espaço interior individual. A partir dessa independência, poderá ligar-se a mãe e ao pai, separadamente e a mãe e o pai juntos. O relacionamento do casal é útil para a identidade da maré e do bebê. Evita que a mãe tenda a reforçar um vínculo ideal, completo com o filho.

GK – Vínculo ideal?
HG – Ideal e completo. Veja, por exemplo, quantas mulheres se declararam dispostas como nunca, fortes, auto-suficientes, completas em si mesmas. Essa situação, esta exclusão do pai, do mundo externo, não deveria perdurar. Desde o primeiro momento, mesmo que o pai não tenha contatos freqüentes com o filho – porque ele não pode mesmo amamentar ou não sabe trocar fraldas – sua presença deveria fazer-se sentir através da mãe, por exemplo, na medida em que ela não se dispõe a passar a noite toda com o bebê no colo, porque leva em conta que tem um marido, o qual solicita sua companhia. É preciso também que o pai tenha coragem de solicitar a mãe como mulher de novo, que tenha coragem de dispensar cuidados a criança – que agüente a impressão de estar roubando a mãe do filho. Que reconheça e até possa demonstrar que sente ciúmes daqueles dois que estão tão bem, a ponto de aparentemente não precisarem dele.

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