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Crianças com brinquedo demais e tempo de menos.

O dia da criança já passou, a indústria de brinquedos já explorou a data para provocar ainda mais consumo, e muitos pais já cometeram excessos que induzem os filhos a fazer o mesmo. Bem, agora já dá para refletir sobre brincadeira de criança com mais calma.

Hoje, o consumo de brinquedos está tão gravado em nossa cultura que fica quase impossível pensar em estimular brincadeira de criança sem recorrer a idéia dos brinquedos industrializados. Essa marca é tão forte que pais e escolas têm abusado, e as crianças estão cheias de brinquedos. Cheias em dois sentidos: elas têm brinquedos em grandes quantidades – de vários tipos, cores, formatos, materiais, etc. – e cheias porque estão totalmente preenchidas pelos brinquedos. E olha que os chamados brinquedos pedagógicos – o que será isso? – estão aí incluídos.

Acontece que essa situação pode provocar resultados bem diferentes do esperado por quem dá os brinquedos para os filhos. A criança preenchida pelos brinquedos não se interessa em usá-los com mais freqüência e por um período de tempo maior, não consegue escolher um deles em meio a tantos – ela quer ficar com todos – nem focar sua atenção. Acaba por ficar sem brincar.
Sabemos que brincar é a atividade mais importante da vida de uma criança. É brincando que ela aprende a compreender a sua realidade e a se apropriar dela, que ela se entende e entende melhor o mundo, que ela repete as alegrias e as tristezas que sua vidinha já provoca, que simboliza as angústias mais diversas que a assomam. Criança sem brincar não é criança, e todos concordamos com isso: a criança tem o direito à brincadeira. Mas a questão é que mudamos bastante a noção do que seja oferecer e permitir que ela tenha condições necessárias para que possa se dedicar a tal função.
Para brincar é preciso tempo. E tempo significa um bom período sem fazer nada, sem tarefa a cumprir, sem obrigação para dar conta, sem programação, sem regra. Tempo livre, lembra-se do que é isso? Vamos fazer a prova dos nove.

Experimente checar quantos períodos de tempo livre seu filho pequeno tem em um dia e qual a duração desses intervalos. É bem possível que boa parte dos pais se surpreenda ao perceber que sobra pouco – quase nada – desse tempo para o filho. E não vale comparar com os espaços livres do adulto: meia hora para a criança pode parecer muito menos – ou muito mais, dependendo do que está em jogo para ela – do que para o adulto, que já tem domínio sobre tempo e espaço.
Conversei com algumas mães de filhos entre três e sete anos. O dia deles é todo tomado por uma programação bem apertada: acordar, tomar café, trocar de roupa, fazer a higiene, ir para escola. Voltar, almoçar, assistir a um pouco de televisão, fazer lição de casa, sair para alguma atividade programada, voltar, tomar banho, jantar, preparar-se para dormir. E tudo isso regado a muita pressão – de tempo, é claro – dos pais, que, por sua vez, têm pouco dele para acompanhar o ritmo da criança. Dá pra perder o fôlego!

Essas mães estão tranqüilas porque dizem que em casa a vida é corrida, mas na escola a criança tem tempo para brincar. E tem?
A brincadeira foi escolarizada, e o que resta é o horário do recreio. Imagine: criança com menos de seis anos com hora na escola para brincar com liberdade. Porque, no horário regular, dá-lhe tarefas e rotinas e brincadeiras pré-programas. Pré-fabricadas!

E pensar que, logo mais, a criança vai crescer e vai ter de ser responsabilizar por horário de estudo, de se comprometer em avançar no conhecimento, de se esforçar para dar conta de várias obrigações tanto em casa quanto na escola, se dedicar pra dar conta de várias obrigações tanto em casa quanto na escola, se dedicar à convivência. Então, provavelmente, vai fazer coleção dos brinquedos da infância no quarto quase de adolescente.
Tempo não se coleciona, usa-se enquanto é tempo. Esse é o presente que a criança precisa para que possa, no futuro, ter um passado a relembrar. E para deixar para trás.

Rosely Sayão é psicóloga, consultora em educação e autora de “Como Educar Meu Filho?” (Publifolha)

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